terça-feira, 20 de maio de 2014

A Holanda em 5 minutos - Vestdijk

A Holanda em 5 minutos

O 60º aniversário de Simon Vestdijk, transcorrido a 17 de outubro, ofereceu ocasião à imprensa holandesa de chamar atenção para aquele escritor, através de inúmeros artigos. Realmente, trata-se de uma grande figura, a mais importante do romance holandês contemporâneo. Antes se deveria dizer um fenômeno, de acordo com os críticos holandeses, como Pierre Dubois, por exemplo, que no seu livro “A literatura holandesa”, qualifica Vestdijk de “fenômeno extraordinário de formato europeu, escritor onisciente”.
Entre os trintas romances, aproximadamente, que se devem a esse escritor de extraordinária fecundidade – e, seja dito de passagem, um dos raros escritores dos Países Baixos que vivem de sua pena – podem ser citados de pronto, uns dez: seja uma de suas obras quase autobiográficas da juventude, como o encantador “São Sebastião”; seja um dos romances históricos de indiscutível interesse como “A queda de Pilatos”; seja qualquer uma das criações de pós-guerra, onde se afirma, seus contos, seus ensaios, um sentimento de vida cheio de indulgência, alternando com uma doçura oculta e , às vezes, produzindo, juntamente com ela, uma visão sarcástica dos seres, um matiz apenas perceptível, muito pessoal e, ao mesmo tempo, “muito holandês”, do humor.
E não podemos, também, nos esquecer de falar sobre seus poemas, seus contos, seus ensaios, que estão entre os melhores da produção literária holandesa.
Na obra desse escritor, natural da pequena aldeia frísia de Harlingen, não devemos estar empenhados em descobrir a cada passo uma amostra da “cor local” holandesa. Espírito universal, Vestdijk, em seus romances, se interessou tanto pela antiguidade helênica ou romana como pela Espanha de Greco, e as cenas de suas obras se desenrolam tanto na Irlanda do século XIX como na Jamaica, na Alemanha de Wallerstein, como na França de Luís XV.
Quando o autor escolhe como assunto a Holanda contemporânea, é para descrever sua juventude e, através dela, os problemas da juventude; o ambiente refratário durante a ocupação, com uma análise da conduta humana submetida ao limite extremo da tensão; a vida de um professor de música numa cidade provinciana e os sintomas da “doença” nesse ambiente; o ambiente de um professor secundário; o de um médico; o de um regente de orquestra.
A mocidade, a angústia, a morte; eis, atravessados pela dúvida metafísica, os temas que, como observou Ter Braak, formam o núcleo dos romances, contos, poemas e dos inúmeros ensaios de Vestdijk.
E, no que diz respeito à cor local, o leitor estrangeiro não ficará muito satisfeito com Vestdijk, mas ver-se-á poupado dessas descrições de paisagens vagamente bucólicas e convencionais que aparecem, com frequência, em muitas obras traduzidas. Em compensação, em inúmeras obras, o leitor encontrará a análise de reações humanas que, conservando seu valor universal, nem por isso deixam de reproduzir aspectos típicos do caráter holandês.

Artigo publicado no Correio da Manhã em 10/01/1959. Não tem assinatura.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

A literatura holandesa e sua difusão no estrangeiro

Um dos mistérios que é justo romper algum dia é o pouco conhecimento dos leitores de outros países no que concerne à literatura holandesa. Ao passo que a pintura e arquitetura dos Países Baixos gozam, além de suas fronteiras, de merecido renome, sua literatura é muito pouco conhecida. É bem certo que se atribui essa ignorância à pequena difusão do idioma holandês no mundo, mas esse argumento não explica inteiramente o fenômeno. A técnica holandesa não conseguiu vencer as barreiras do idioma? Pequenas nações – cujos idiomas nem chegam mesmo a ser, como o holandês, o veículo de expressão de vinte milhões de indivíduos – não adquiriram, no domínio literário, uma notoriedade muito maior que a dos Países Baixos?
Em tais condições, é lícito, mesmo, formular-se a pergunta se os Países Baixos não carecerão de uma literatura nacional.
Os estrangeiros mostram-se, com frequência, inclinados a acreditar que esse seja o caso. E, dada a falta de traduções de mérito, não se pode censurar o estrangeiro por seu gosto “intelectual” por um folclore de pitorescos moinhos, tulipas ornamentais e danças de tamancos.
É claro que seria ridículo e pretensioso afirmar-se que a Holanda produz, dentro do maior segredo, séries de obras-primas literárias, tão numerosas quanto ignoradas.
O que se pode afirmar, sem dúvida alguma, é que a Holanda tem direito de ocupar um lugar honroso no domínio das letras. Por sua posição geográfica, os Países Baixos têm sido sempre um centro animado de intercâmbio e o comércio das ideias jamais foi ali negligenciado. Ao contrário, desde a Idade Média, as coisas do espírito têm desempenhado papel de imensa importância e a própria atitude do povo holandês jamais foi passiva nesse domínio. Seria muito fácil provar-se essa afirmativa, com estatísticas de publicações de livros.
As observações acima expostas têm por fim salientar que a literatura holandesa não é orientada para o folclore. O leitor estrangeiro nela não encontrará o cromo dos cartões postais, nem o impulso de um povo para as tradições e uma estética que significaria para ele o expatriamento. No entanto, a literatura holandesa não é desprovida de uma característica bem particular. E não há motivo para se procurar somente na literatura regionalista holandesa uma atmosfera típica dos Países Baixos. Grandes escritores, como Couperus ou o contemporâneo Vestdijk, escreveram romances banhados de uma luz autenticamente “doméstica” e que, nem por isso, deixam de ter um aspecto internacional, no plano da cultura e dos sentimentos.
Se um certo número de romances merece melhor divulgação fora das fronteiras linguísticas da Holanda, também devem ser conhecidos pelo seu elevado valor literário. Não há dúvida de que trazem uma contribuição à eterna atualidade da cultura cívica.
Além disso, existem, nos Países Baixos, muitas obras capazes de interessar o leitor estrangeiro, obras que ilustram um aspecto da vida europeia, tanto no presente como no passado, quase ignorada do grande público. E, como a ele temos feito alusão, digamos que o romance regionalista não carece de atrativos. Oferece uma imagem da existência em regiões espiritualmente isoladas do estrangeiro, como nos romances de Antoon Coolen. Qual é o seu domínio? Ele o descreve, no “O bom assassino”: “Nesta pequena rua, aqui e ali, um jardinzinho. Mais algumas ruas em torno da igreja; casinholas de operários, lojas, albergues. Depois, os campos. E ali, espalhadas, as fazendas onde vivem os camponeses”. Regionalismo? Talvez. Mas cada habitante de uma aldeia do mundo “lê”, encontra nessa descrição reduzida a sua expressão mais simples, um horizonte familiar.
Resta falar sobre a poesia e o ensaio. A primeira atinge elevado nível, mas apesar de nobres tentativas, apresenta grandes dificuldades na tradução. Os ensaios, ao contrário, se prestam à tradução e Huizinga foi traduzido para inúmeras línguas, entre as quais a francesa. Esse gênero de literatura se desenvolveu favoravelmente no curso desse século.
Citemos, para completar, a novela, que os holandeses praticam com arte consumada. Infelizmente, somos obrigados a constatar que a obra literária dos Países Baixos de hoje – como da Holanda de ontem – continua praticamente ignorada pelo público cultivado do mundo.
Seria inútil meditar sobre as razões que causam a ignorância do público em face da literatura holandesa. O fato é conhecido, as edições em línguas estrangeiras não aparecem. Lamentemos, mas não insistamos.
Que se poderá fazer para remediar essa situação? Tal é a pergunta que a Fundação para a Difusão da Literatura Holandesa no Exterior procura dar uma resposta.
Temos diante dos olhos o numero 1 de 3 de junho de 1957 do “Correio literário dos Países Baixos”, editado por aquela organização e ali encontramos uma exposição sobre a obra de Simon Vestdijk, até a data de 1º de março de 1957. Constatamos que só a enumeração das obras ocupa duas páginas de revista, fato que quer dizer que Vestdijk não era um autor que tivesse uma história para contar, e sim uma obra a oferecer aos homens de sua geração. Ora, Vestdijk é desconhecido no estrangeiro e na nomenclatura das traduções editadas em 1955 no mundo, não figura uma única obra desse escritor, o que é, realmente, lamentável.
Esse “Correio Literário dos Países Baixos”, redigido por jovens e talentosos literatos holandeses, procurará oferecer aos leitores estrangeiros – e em particular aos editores – ocasião de se familiarizarem com a literatura nacional da Holanda. A Fundação, exercendo suas finalidades sem fins lucrativos, servirá de intermediária entre o editor estrangeiro, o agente literário e o editor holandês, para beneficio do escritor e da literatura holandesa em geral. A difusão do pensamento holandês dará assim, esperamos, um grande passo.


Artigo originalmente publicado no Correio da Manhã em 1º de setembro de 1957. Não há assinatura, mas pelo histórico de artigos holandeses do jornal, acredita-se que o autor seja Otto Maria Carpeaux, Francisco Aníbal ou José Roberto Teixeira Leite.