Van
Ostaijen, poeta holandês
Por José Roberto
Teixeira Leite
O desconhecimento, no
Brasil, da moderna literatura holandesa é um fato. Há tempos dedicou Otto Maria
Carpeaux um artigo à obra e à personalidade do romancista Multatuli (pseudônimo
de E. D. Dekker, 1820-1887), autor do romance Max Havelaar, onde se analisa a
crueldade da colonização holandesa nas Índias; e em suas Noções de História das
Literaturas dedicou Manuel Bandeira – estribado em Van Thiegen e Prampollini –
uma das poucas páginas a essa literatura que são os pontos mais elevados
Vondel, no passado, e no presente Huizinga, Coster, o grande poeta Kloos, Van
Oudshoon – autor de Willem Merten - , etc. Mas foi só: nenhuma outra
referência ou alusão encontramos, no Brasil de hoje, a essa literatura que
teimamos em ignorar, decerto acreditando na tão propalada invenção de que, ao
contrário da pintura – tão importante desde o século XV –, a literatura dos
Países Baixos não tem grande valia. Não a terá, decerto, se comparada à pintura
– gênero natural de expressão, em que os neerlandeses melhor se acharam e ainda
se acham. Mas não há como subestimar a prosa e a poesia holandesas, embora uma
língua particularmente difícil e pouco utilizada fora dos Países Baixos seja
entrave quase insuperável a seu conhecimento. É modesta contribuição a tal
conhecimento o presente artigo, que trata de um dos mais originais poetas
europeus do século atual: Paul van Ostaijen. Depois, é de importância realçar a
obra desse escritor falecido em 1928, numa época em que uma boa parcela da
jovem poesia brasileira, influenciada pela concretismo, tenda valorizar, no
poema, aquele lado visual tantas vezes desprezado anteriormente. Porque Van
Ostaijen, a quem não podemos considerar um concretista, a não ser resvalando em
grosseira generalização, em muitos de seus poemas antecipa-se a certas conquistas
espaciais dos concretistas, podendo ser inclusive considerado um precursor da
tendência.
Não é estranhável que
Paul van Ostaijen tenha principiado sua carreira de escritor por uma obra
dedicada às artes visuais. Tinha então apenas 22 anos – nascera em 1896 –, e a
Grande Guerra – que a de 1939-1945 provaria, até segunda ordem, não ter sido
tão grande como muitos julgavam –, chegava a seu fim com a derrota alemã.
Entusiasmado pelas conquistas da arte moderna, preconizava-lhe – numa época heroica e ainda indecisa – um brilhante futuro no seio da civilização ocidental. Criado num ambiente ultra burguês – pai catoliaão, capitalista –, numa das cidades mais burguesas da Europa, Antuérpia, frequentando na infância e adolescência os meios burgueses de que cedo se enojaria, era por uma vida de artista e pelo fascínio da arte e da poesia modernas que Van Ostaijen procurava dar vasas à sua nausée. No ambiente de verdadeiro charco estagnado que era, do ponto de vista cultural, Flandres de antes da Guerra de 1914, Van Ostaijen era dos poucos jovens que procuravam novas modalidades de expressão, uma reação qualquer contra o marasmo reinante. Simbolismo e dandyismo – movimento de que talvez, no Brasil, fosse eco da afetação de Afrânio Peixoto nos inícios de sua carreira, na Bahia, o Julio Afrânio que publicara Rosa Mística e que, muito e muito jovem, atravessava as ruas de Salvador com um lenço na sinistra e uma rosa rubra na destra... –, simbolismo e dandyismo eram duas escolas literárias em voga, à época, no Flandres; e o último, como é claro, derivado do primeiro. Van Ostaijen ingressou nas fileiras do segundo, para grande desgosto do pai, a quem repugnava a vida boêmia, de artista desmiolado, levada pelo filho; travaja-se bizarramente, com modelos que ele próprio desenhava, e granjeou a alcunha de Míster 1830, algo paradoxal no rapaz que, alguns anos depois, proclamaria as excelências da estética moderna. Mas como e não possível reconhecer no Afrânio Peixoto de seus melhores romances o doidivanas de Rosa Mistica, também o Míster 1830 não deve ser confundido com o poeta lírico Van Ostaijen, nascido de suas cinzas.
Entusiasmado pelas conquistas da arte moderna, preconizava-lhe – numa época heroica e ainda indecisa – um brilhante futuro no seio da civilização ocidental. Criado num ambiente ultra burguês – pai catoliaão, capitalista –, numa das cidades mais burguesas da Europa, Antuérpia, frequentando na infância e adolescência os meios burgueses de que cedo se enojaria, era por uma vida de artista e pelo fascínio da arte e da poesia modernas que Van Ostaijen procurava dar vasas à sua nausée. No ambiente de verdadeiro charco estagnado que era, do ponto de vista cultural, Flandres de antes da Guerra de 1914, Van Ostaijen era dos poucos jovens que procuravam novas modalidades de expressão, uma reação qualquer contra o marasmo reinante. Simbolismo e dandyismo – movimento de que talvez, no Brasil, fosse eco da afetação de Afrânio Peixoto nos inícios de sua carreira, na Bahia, o Julio Afrânio que publicara Rosa Mística e que, muito e muito jovem, atravessava as ruas de Salvador com um lenço na sinistra e uma rosa rubra na destra... –, simbolismo e dandyismo eram duas escolas literárias em voga, à época, no Flandres; e o último, como é claro, derivado do primeiro. Van Ostaijen ingressou nas fileiras do segundo, para grande desgosto do pai, a quem repugnava a vida boêmia, de artista desmiolado, levada pelo filho; travaja-se bizarramente, com modelos que ele próprio desenhava, e granjeou a alcunha de Míster 1830, algo paradoxal no rapaz que, alguns anos depois, proclamaria as excelências da estética moderna. Mas como e não possível reconhecer no Afrânio Peixoto de seus melhores romances o doidivanas de Rosa Mistica, também o Míster 1830 não deve ser confundido com o poeta lírico Van Ostaijen, nascido de suas cinzas.
A invasão alemã da
Bélgica, e a ocupação da Antuérpia, de 1914 a 1918, pelas tropas germânicas,
possibilitará ao jovem poeta maior amadurecimento, levando-o a abandonar o
dandyismo – cuja filosofia de ceticismo um pouco à la Oscar Wilde já não
condizia com os termos da realidade brutal que estava então vivendo. O fundo
místico do poeta, porém, breve irá fazer com que ele seja um dos entusiastas
seguidores do Unanimismo de Jules Romais, de cujo espírito acha-se impregnado
seu livro de estreia, Music Hall (1916). A publicação de Music Hall causou,
aliás, espanto e escândalo, já que no volume quebrava Van Ostaijen inteiramente
com aquela tradição literária a que se tinham acostumado todos, em Flandres.
Alguns de seus poemas mais próximos da poesia de Jules Laforge, por exemplo,
por sua ironia foram duramente criticados. Em Het Sienjaal, segunda coletânea
de versos, aparecida pouco após o termino da Guerra, Van Ostaijen resvala para
um humanitarismo, um sentimentalismo, por vezes, de que posteriormente
recuaria, rejeitando, então, o volume. Isso não impediria, porém, que uma
legião de imitadores começasse, na Bélgica e na Holanda, a poetar à maneira
segunda de Van Ostaijen. Em 1918, após um
malogro político – Van Ostaijen era partidário das ideias ativistas, isto é,
sonhava com a independência da Bélgica de língua holandesa –, o poeta é
obrigado a exilar-se em Berlim. Ali demorar-se-á até 1921, tomando parte ativa
no movimento desencadeado e mantido pelos orientadores da revista Der Sturm,
com Herwarth Wlaten à frente. Era porém com pintores e escultores que gostava
de trocar ideias - e aí surpreendemos, mais uma vez, a vocação de visual do
próximo autor de Bezette Stad (1921). Escreveu, durante o período berlinense,
uma grande quantidade de narrativas. Grotescas umas, burlescas outras,
irônicas, absurdas, satíricas. Foi, avant le mot, um dos que se valeram, e com
êxito, da escrita automática, que os surrealistas levariam ao paroxismo. Foi
decerto de suas conversas com os artistas visuais que derivou a ideia, que
desenvolveria posteriormente numa teoria, de que a forma do poema é o próprio
poema, e subordinar essa forma a uma temática determinada é restringir o poema.
Usando de termos mais pictóricos, mais visuais, diríamos que Van Ostaijen
chegava à conclusão de que deveria dar maior importância à matéria poética, do
que à essência, ao anedótico. Inventou, então, uma tipográfica rítmica,
apelando para a forma visual do vocábulo – não à maneira de Appolinaire ou à de
Sá-Carneiro, em seu Manucure, para ilustrar o texto: ao contrário, para
ampará-lo. Usou tipos de vários corpos e impressos em diferentes cores, não
como um recurso pitoresco, mas porque sentia a necessidade de basear seus
textos com elementos visuais. Datam de tal época os poemas de Feesten van Angst
en Pijn, espécie de continuação de Bezette Stad. O regresso à Bélgica dá-se em
1921, quando já a saúde de Van Ostaijen começa a declinar. Abre ele, em
Antuérpia, uma galeria de arte – que depois troca por outra, A La Vierge
Poupine, em Bruxelas. Em A La Vierge Poupine organiza uma série de exposições
de artistas contemporâneos, belgas ou estrangeiros. Tenta formar uma escola
flamenga moderna, mas fracassa em seu intento. Entrementes, escreve alguns de
seus melhores poemas, imbuídos daquele puro lírico que definia nessas palavras
significativas e atuais: “Estou procurando o poema sem sujeito: o sujeito do
poema é o próprio poema”. Em 1928, poucos meses antes de morrer, aos 32 anos,
vítima da tuberculose, funda Paul van Ostaijen com Burssens e Du Perron a
revista Avontuur. Era já tarde em sua vida, porém. Calar-se-ia em breve a voz
do poeta, que morreu quando apenas entrevia o seu verdadeiro caminho, e quando
buscava sem desânimos dar vasas à sua mensagem.
Artigo originalmente
publicado no suplemento dominical do Jornal do Brasil em 14/02/1959. A tradução do poema é do próprio José Roberto Teixeira Leite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário