domingo, 20 de abril de 2014

Aspectos da moderna cultura holandesa (I) - C. A. Nascimento

Aspectos da moderna cultura holandesa (I)
por Carlos A. Nascimento

Apresentar um estudo da moderna literatura holandesa ao público brasileiro é uma tarefa assaz complexa dada a escassa divulgação entre nós dos livros daquele país. Porém, não é a falta de valores o fator que determina essa escassez. A principal razão desse isolacionismo está no fato de ser o idioma holandês difícil de ser entendido e não menos de ser traduzido.
O movimento literário na Holanda é bastante expressivo, sendo um dos países do mundo que possui maior número de livrarias. Segundo estatísticas recentemente publicadas, há nos Países Baixos nada menos que 1.720 casas que exploram o comércio de livros, o que representa uma livraria para cada 7 mil habitantes. Vale frisar aqui que a metade dos livros vendidos são escritos em inglês, o que demonstra o alto nível intelectual da população.
A tendência predominante da literatura na Holanda é a desilusão, porém uma desilusão construtiva, que revela um idealismo invulgar, cujo objetivo é um futuro melhor. A insatisfação é a raiz da sua literatura.
Dentre os poetas da nova geração holandesa, Adriaan Roland Holst é sem dúvida um dos mais populares. Suas obras se caracterizam por um “isolamento de beatitude”. Holst se dedica ao estudo da mitologia céltica e das culturas passadas. J. C. Bloem é outro poeta melancólico. Suas produções se revestem de um pessimismo contagiante, onde o senso de utilidade de todas as coisas é seu dote mais marcante. Até o título da última peça de Bloem revela esse temperamento: “De nederlaag” (A derrota). Martinus Nijhoff (falecido em 1953) era considerado a figura central dessa geração. Nijhoff exerceu certa influência sobre a poesia moderna, sendo um dos primeiros poetas realistas a introduzir em seus poemas a realidade de todos os dias, revelando uma virtuosidade incomparável.
Entre os autores dramáticos surgidos antes da segunda guerra mundial, podemos destacar Ferdinand Bordewijk, que além de escritor é também jurista. O tema principal de suas obras é a procura de um equilíbrio entre os contrastes do medo caótico e da disciplina severa. Sua contribuição para as letras holandesas inclui várias obras, entre as quais “Karakter” (Caráter), traduzida em vários idiomas.
Da escola “experimental” podemos citar o jovem escritor Hans Andreus como um poeta de real talento. Sua última coletânea de poesias revela sua tendência para o abstracionismo. “A arte da pintura” é o titulo que Andreus deu a um de seus recentes livros, cujo subtítulo é “Nada além de cores”.
O “existencialismo” exerce uma forte influência na literatura holandesa. Gerrit Kouwenaar é o representante mais destacado da escola de Sartre. Seu último romance é “Ik was geen soldaat” (Eu não era um soldado). Kouwenaar conta a vida angustiosa de um moço holandês preso de um profundo sentimento de culpa por haver revelado, sob tortura, aos nazistas, o paradeiro de um companheiro da Resistência, cujo epílogo dá-se em Paris, onde o personagem se entrega à mais completa degradação.
A despeito da posição e prestígio que ocupa o calvinismo, com sua tendência conservadora, o freudismo vem ganhando terreno entre os literatos. Essa corrente conta com a pena de Simon Vestdijk, cuja produção de meia centena de obras vem assombrando os meios literários da Holanda por sua fecundidade a par de valor incontestável. Vestdijk, que é médico de certo prestigio na profissão, emprega com habilidade as teorias de Freud sobre a história natural do homem.
Os livros holandeses não têm representado uma contribuição nem sequer pequena para as antologias internacionais, mas têm inegavelmente representado uma grande contribuição para a análise final da natureza humana.
Seu estudo sobre os sofrimentos e os conflitos do indivíduo, sua literatura psicológica, mais do que de tendência sociais, representa, em síntese, antes o retrato do homem do que o conflito de massas.

     
Artigo originalmente publicado no suplemento dominical do Jornal do Brasil em 3 de março de 1957.

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