quinta-feira, 24 de abril de 2014

Prosadores da Holanda - Francisco Albal

[nota do editor do Jornal do Brasil]
No intuito de tornar mais conhecida a literatura da Holanda, tão desenvolvida como nas maiores capitais intelectuais do mundo, publicamos, hoje, um trabalho do crítico Albal. Embora feito de maneira esquemática, esse artigo nos dá uma ideia da situação literária holandesa.

Prosadores da Holanda                                                    
por Francisco Albal

A prosa holandesa necessita uma reação mais clara contra a estagnação, uma dessas “reações” indispensáveis a toda evolução cultural. Sua situação de continuidade é confirmada pelo fato de não ter surgido, ainda, um núcleo renascente, um corpo literário dotado de personalidade própria, como o Movimento de 1880, a Geração de 1920 e a última Escola de Amsterdam.
Desses três últimos condensadores da literatura holandesa, nos últimos três quartos de século, nenhum foi tão homogêneo quanto o primeiro, com seu órgão “O Novo Guia”, seu mentor – o poeta e crítico Albert Verwey (1865-1937), que ainda depois haveria de continuar pontificando na revista “O Movimento” até 1919 – seu grande poema de consagração “Maio”, de um dos maiores poetas holandeses de todos os tempos, Herman Gorter e que, além disso, contou com duas figuras de grande valor e indiscutível complexidade: Frederik van Eeden e Jacobus van Looy.
A esse “Movimento de 80”, que ultrapassou o âmbito da literatura para se transformar num renascimento global da vida cultural holandesa, seguiu-se a chamada “Geração de 1920” ou “Geração Entre as Guerras”, que se dividiu em dois grupos, que tomaram rumos diferentes: o capitaneado por Nico van Suchtelen, autor de “Quia Absurdum”, e Arthur van Schendel, o magnífico prosador de “Um vagabundo enamorado”, e o grupo dos reformadores socialistas, dos otimistas iluminados pela visão próxima de um mundo melhor, do qual faz parte também o gigante Herman Gorter e do qual é o porta-voz mais entusiasta e luminoso, a poetisa Henriette Roland Holst-van der Schalk (1869-1952).
E, assim como o movimento de 80 pesou enormemente sobre a geração de 1920, esta continuou influenciando – na prosa de hoje quase totalmente – os Boutens, Bloem, Van Eyck, Geerten-Gossaert, Greshoff, De Haan, Aart van der Leuw e Victor E. van Vriesland
Quanto à chamada Escola de Amsterdam, é visível a sua falta de homoneidade. Seus membros não têm de comum senão a capital que lhes dá o nome e uma certa preocupação pela transitoriedade da existência, pela constante ameaça da morte, contra a qual cada um se defende de acordo com seu próprio caráter.
Presentemente, as letras holandesas ainda mostram mais acentuada dispersão, maior descentralização. A literatura parece se refugiar nos focos provincianos, como que fugindo do terrível monopólio das capitais. As contingências geográficas, contudo, exercem influencia diminuta na Holanda atual. O mais importante é o fato da prosa holandesa ter muitos seguidores e poucos valores. E que estes valores não sejam, exatamente, de hoje. Em nossas coordenadas, portanto, o movimento da prosa na Holanda descreve uma curva de grande dispersão, quer dizer ampla na base da altura reduzida, como uma colina de rampa muito suave. Será uma das razões desse fato a que se refere Annie Romein Verschoon, em seu belo livrinho “Pantano e Céu”, quando fala, sem apurar a culpa, do fenômeno de após guerra, que consiste no grande numero de jornais e revistas em que aparecem trabalhos curtos e superficiais de jovens escritores? Um excesso de jornalismo pode ser nefasto para a qualidade da prosa, porque o jornalista é mais levado a fazer concessões ao publico e, além disso, trabalha apressadamente.
Feitas essas explicações, examinemos a galeria dos prosadores atuais, sem pretender, em absoluto, sermos completos.
Deixando de lado os poetas que têm escritos prosa em conferencias e palestras, e os críticos e eruditos, como o Professor J.L.Walch e o Professor Jan Romein, este último um espírito enciclopédico, discípulo do grande Huizinga, citaremos mais conhecidos e de mais valor.
Continuadores da obra de Multatuli: Madelon Szekeley-Lulofz, autora dos primeiros romances genuinamente coloniais em holandês: “Borracha”, “Coolie”, e “Outro Mundo”; Beo Vuik, contista de “Cem Ilhas” e de “A última casa do mundo”; a javanesa Soewarsih Djojopoespito, com seu “Foro de jugo”; Du Perron, holandês de ascendência francesa e nascido em Java, autor de muitas obras, destacando-se “O País Natal”, e Albert Heman, holandês do Suriname, de grande fecundidade literária, infatigável viajante, autor de obras celebradas, como “Sul-Sudoeste”, “A Plantação Muda”, “Coração sem Terra”, “Por que não?”, “O Ditador Louco”, “A Esfinge da Espanha”, e Cola Debrot, com “Minha irmã, a negra”.
Romancistas humoristas: Henriette van Eyck, autora de “Pequeno Desfile”, “Gabriel, história do homenzinho magro” e, mais recentemente, “De casa em casa”; Godfried Bomans, delicioso contista, de humor suave, amante das parábolas.
De ambiente cosmopolita: Van Schendel, um dos grandes coloristas da prosa holandesa; A. den Doolard, autor do conhecidíssimo “Orient Express” e de inúmeros outros romances mais ou menos exóticos; Jan de Hartog, escritor mais europeu que holandês, autor, entre outras coisas, de “Gloria da Holanda”.
Regionalistas: Antoon Coolen, de Brabante, que soube pintar, com riqueza, a vida do católico do sul da Holanda, e Herman de Man, seu paralelo, na vida do norte da Holanda, calvinista.
E terminemos com os mais inquietos e profundos: Jef Last, efervescente, turbulento e apaixonado; Maurits Dekker, mais complexo, trágico, irônico e profundo; H. M. van Randwijk, idealista, generoso e vibrante escritor de vanguarda socialista cristã; Theun de Vries, notável narrador, de força incontrolável; F. Bordewijk, romancista de álgida fantasia, que antecipou A. Huxley e também escreveu uma obra humana e transcendental: “Karakter”. E, por fim, o mago das letras holandesas, S. Vestdijk, médico, psicólogo, poeta, crítico e romancista de extraordinário talento e fecundidade.

Artigo originalmente publicado no suplemento dominical do Jornal do Brasil em 1/7/1956   
                                                                                      

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